Precisamos falar sobre o nosso corpo

Hoje acordei, entrei no facebook e vi o link pra um blog que fica hospedado no site do maior conglomerado de comunicação do Rio Grande do Sul, e por isso recebe muitos acessos. O texto falava sobre gravidez, mas não de forma positiva. Entre outras coisas, falava sobre o quanto era horrível, sofrido, dolorido, e pra finalizar exaltava a cesárea com hora marcada, porquê dor “ninguém merece”. De maneira muito pessoal e bem humorada, a autora falou sobre como se sentia mal durante o período de gravidez, já tendo passado por uma gestação anterior, usou adjetivos pesados pra si mesma, talvez sem perceber o recado que mandava pra ela e pra tantas outras grávidas.

Quando li os comentários, que demonstravam identificação com o que ela dizia, confirmei tudo o que pensei ao ler cada linha do texto. Vejam bem, não quero linkar o texto aqui, porque esse não é o objetivo, não é julgamento, falo deste especificamente porque me despertou para uma reflexão. Sem dúvida alguma esse não é o primeiro texto a falar da gravidez como algo “não tão bom assim”.

Já li em vários blogs de gravidez e maternidade desabafos como este. É mais fácil uma mulher grávida admitir que está desconfortável publicamente, mas por que exatamente? A resposta é muito simples. É fácil porquê a grande maioria da sociedade a vê como alguém desconfortável, resumindo, alguém que está fora dos padrões exigidos para o corpo da mulher. Sim. As mulheres engravidam, o corpo muda naturalmente, é o que a natureza exige, mas mesmo assim, o corpo feminino só é aceito se está dentro do padrão exigido atualmente: alta, magra, peituda, com uma bunda no lugar. Não é a toa que na gravidez a gente escute elogios como: “Nossa, tu tá só com a barriguinha!”. Devemos ficar felizes com esse tipo de elogio?
Eu ouvi muitos assim. Fiquei feliz? A primeira vista sim, afinal era um elogio, mas é um elogio com disfarce. Ele diz: “Até que pra uma grávida tu tá bonita”.

Foto: Jade Beall - A beautiful body project

Foto: Jade Beall – A beautiful body project

O texto da minha colega jornalista reflete a opinião de uma grande parte das mulheres. Não é difícil entender tamanha distorção, afinal vivemos em uma sociedade que oferece com muita facilidade para nós, as mulheres, um desprezo enorme por nós mesmas. Estamos sempre inadequadas. Gordas demais, magras demais, e até mesmo grávidas demais. A diferença está em como processamos essas informações e julgamentos que caem sobre nós todos os dias. Eu entendo ela, sinto pena, e sim, acho que ela precisa de ajuda, não só ela como muitas. É impossível viver a gravidez em uma plenitude se não estamos felizes, se não entendemos as mudanças, se não ouvimos o que o nosso corpo diz, não só na gravidez, como antes dela. Começa pela menstruação que tanto odiamos e rejeitamos a vida inteira, o que ela nos diz? Nós precisamos falar sobre o nosso corpo, mas de maneira positiva.

Me incluo nisso também, é muito fácil sucumbir. São tantos padrões exigidos. Me senti plena na gravidez, me senti mulher, me senti linda, e por vezes também me senti feia. Adorei parir, adorei minhas dores, vivenciei elas com toda a sua realidade, me senti maravilhosa nas primeiras semanas logo depois que meu filho nasceu, mas me peguei inúmeras vezes encarando no espelho minhas novas estrias, minha barriga, que continua com flacidez, e meu quadril, que aumentou. Me peguei várias vezes me comparando com amigas que não tinham filhos. Ter dúvidas quanto a beleza e o funcionamento do nosso corpo é normal em um contexto como o nosso.

Não deveríamos duvidar, questionar, ignorar e sequer sofrer, são mudanças que só a vida, vivida com a maior intensidade, consegue provocar. É preciso ter um nível de consciência muito grande pra encarar o espelho e dar a volta nos pensamentos negativos – que nos cercam diariamente – pra finalmente aceitar. Falo isso por experiência própria, meu filho tem 5 meses e acredito que só agora eu consegui entender que de agora em diante essa sou eu, e sim, eu sou bonita e me sinto bonita e de brinde (sim, porque opinião de outras pessoas deve ser considerada brinde) meu marido me acha bonita.

Foto: Jade Beall - A beautiful body project

Foto: Jade Beall – A beautiful body project

Foto: Jade Beall - A beautiful body project

Foto: Jade Beall – A beautiful body project

Só consigo ler o que ela escreve e sentir pena, compaixão. Vontade de dizer “senta aqui e vamos conversar, nem tudo é tão ruim, eu te entendo”. O nosso corpo pode ser positivo, e é bonito. O corpo de uma mulher que teve filhos é uma obra de arte da vida, que circula por aí. É um corpo marcado com o que há de mais natural e humano. Não é feio ser fêmea. Cada estria que agora carrego na minha coxa conta a minha história de mãe, elas marcam uma passagem na minha vida, uma grande mudança em um curto espaço de tempo. Não as odeio mais, eu entendo porque elas estão aqui.

É essa a mensagem que eu quero passar pro meu filho, porque a gente passa isso pras crianças. Arthur é um menino, imaginem se eu tivesse uma menina, eu ia ensiná-la a não gostar de si mesma também? Não podemos, e nem devemos, criar uma nova geração que vai repetir esse nosso desgosto e insatisfação. Não quero que meu filho pense que ele me estragou. É isso que a gente diz pros pequenos quando diz “Mamãe era linda antes de você nascer”. Não quero que o meu filho pense que eu o amo, mas carregá-lo dentro da minha barriga não foi uma fase feliz, nem agradável, acho que ninguém quer isso, não é?

*As fotos desse post são da fotógrafa Jade Beall e fazem parte do projeto “A beautiful body”. Vale conferir, é lindo! http://www.abeautifulbodyproject.com/