Licença-paternidade? Licença-seu-filho-não-é-problema-meu

Hoje inauguro um espaço que sempre foi um projeto pro blog, afinal, todos temos confissões maternas e paternas que valem a pena serem compartilhadas. A partir de hoje alguns amigos tem carta branca pra compartilhar por aqui suas experiências com os filhos. Sempre que você quiser acessar esses posts basta clicar na categoria “Confissões de outras maternas” na barra lateral.

Pra começar, quem escreve pro blog hoje é o Bruno Gomes, ele é fotógrafo, marido de uma grande amiga minha, a Kati, e é um dos mais novos papais ativos do pedaço. O Gui veio ao mundo no dia 23 de setembro em um parto humanizado no mesmo hospital onde o Arthur nasceu.

Conheci a Kati nas nossas aulas de yoga com a querida Doula Zezé. Toda quinta-feira era dia de abrir o coração e exercitar os barrigões, não demorou muito pra que nos tornássemos grandes amigas. O carinho que criamos entre a gente acabou se estendendo pros maridos, e hoje nossas famílias recém completas são grandes amigas.

O texto do Bruno fala sobre licença-paternidade, um assunto que já rendeu bastante debate aqui em casa e que por sorte, e principalmente compreensão e carinho da empresa onde o Jaciel trabalha, não foi um problema pra nós, mas que é pra 90% das famílias, o que é simplesmente revoltante.

Quando comecei a ter sinais de trabalho de parto o Jaciel foi liberado para a licença dele, não sabíamos quanto tempo ele teria depois e contávamos com os cinco dias previstos na lei. No hospital, recebemos dois presentes, um pro Arthur e outro pro Papai, a empresa liberou ele por 15 dias e foi tudo o que a gente precisava, no final, contando com os dias que ficou em casa antes, o Jaciel ficou quase um mês com a gente e foi tudo de bom.

Agora, com a palavra, Bruno Gomes:

Bruno e Gui

Bruno e Gui

Tantas mudanças, tanta atenção, tanta dependência do bebê em relação à mãe. Tantas dúvidas, tanta insegurança. Tão poucas horas de sono. E tão pouco tempo para o pai dedicar-se inteiramente ao seu filho.

Uma sociedade que destina apenas cinco dias para o pai acompanhar integralmente sua companheira e seu filho está interessada em que tipo de criação? O que esta sociedade quer produzir – ou, mais propriamente, reproduzir – com isso? Que mensagem ela passa aos atuais e aos futuros pais, mães e, é claro, aos seus filhos?

Cinco dias é quase a duração de um feriadão. Em cinco dias, dependendo das condições em que se deu o parto e o nascimento, nem a mãe e nem o bebê tiveram alta do hospital. Em cinco dias, a mãe recém começou a produzir leite e a amamentação está entrando numa nova fase, tanto para a mãe quanto para o bebê. Ainda ficamos em dúvida se o bebê arrotou mesmo, se ele precisa de fato arrotar após determinada mamada, se ele vai dormir bem, se vai engasgar ou ainda regurgitar um pouco do leite sugado. Em cinco dias ainda estamos começando a entender as rotinas de sono, fome, evacuação. Ainda não sabemos se o choro é de cólica, de medo, de angústia ou apenas se a fralda precisa ser trocada.

Entretanto, ao nos darmos conta do absurdo, da violência e até da desumanidade desta separação arbitrária e precoce do pai da vida da sua companheira e do seu filho, nos surpreendemos quando, ao conversar com outra mãe sobre esse mesmo assunto, ela simplesmente diz: “ah, mas não é tão dramático assim, a gente se vira”. Muitas vezes essa frase pode partir até mesmo de parentes próximos do bebê recém-chegado ao mundo, como forma ou intenção de apoiar a mãe.

Mas espere um pouco. Eu entendi direito?

Sustentamos essa quase exclusão do pai e a individualização da mãe no cotidiano de criação do seu filho dizendo que isso não é “tão dramático”?

Tão dramático??

Mas a experiência da paternidade e da maternidade não deveria ser dramática em grau nenhum! E o que dizer da suposta defesa da capacidade da mãe e de sua independência na maternidade com o argumento de que ela “se vira”? Não tenho dúvidas de que as mulheres se adaptam às dificuldades, isso é claro. Aliás, o ser humano se adapta a quase todo o tipo de situação, por mais cruel que ela seja. Mas é esse mesmo o ideal de criação que queremos? É “se virando como dá”, “aguentando o drama”? Ou é tendo o tempo, a atenção e o apoio que a ocasião merece e necessita?

Ainda nos meus tempos de antropólogo, lembro-me das discussões teóricas sobre o fato de que as coisas, elementos ou até pessoas que não são nominadas, não existem de fato. Talvez aqui seja exatamente o contrário: a “coisa” de fato não existe, mas há a denominação. Então não seria o caso de, já que essa tal licença-paternidade de paternidade não tem nada, trocarmos o nome? Talvez “licença-se-vira”, ou “licença-preciso-que-você-produza”, ou ainda “licença-seu-filho-não-é-problema-meu”.

Nesse ponto, com certeza alguém dirá: “mas não há dinheiro que sustente isso! O que você quer, que a economia vá à falência?” O que eu quero, caro colega de espécie, é que a economia se adapte às necessidades do ser humano, e não o contrário. Quero que as prioridades da sociedade, das empresas, dos governos, sejam as prioridades da vida enquanto existência sensível, enquanto experiência afetiva, da reprodução como perpetuação de relações humanas produtoras de sentido, de alegria, de plenitude, de amor. Não apenas de índices, estatísticas, balancetes.

Talvez seja interessante pararmos por um momento para pensar numa lógica que valorize mais a produção da capacidade de amar do que a produção de um iate luxuoso. Que o dono de uma grande empresa, no momento de dizer “não há dinheiro que sustente isso”, pense na quantidade de dinheiro que ele realmente precisa para viver feliz. E aí, meu caro, me perdoe a franqueza: se você realmente precisa de carros luxuosos, de uma poupança volumosa, de consumo incessante de bens de alto custo, a sua própria produção enquanto ser humano falhou.

A boa notícia é que, com alguns ajustes de valores e prioridades, isso pode ser corrigido na criação dos seus filhos, netos e bisnetos. A má noticia é que, se mantivermos a ordem atual das coisas, a produção do ser humano irá, inevitavelmente, piorar cada vez mais. Depende de você. Ou de nós.